Eu nunca pegava em filho dos
outros. Acho respeitoso manter distância. Até para prevenir a reprovação quando
o bebê alheio chorasse no meu colo.
Eu virei mãe de duas crianças. Uma
tinha dois anos e outra menos de um quando separei. O pai nunca atrasou a
pensão via os filhos em finais de semana alternados. A visita era livre. Esse
foi o contexto. Sem dramas.
A primeira coisa é gostar de ser
mãe. Admiro e entendo quem assume que não quer. Tenho pena da família em que a
maternidade é sentida como chata, insuportável. São compreensíveis as mulheres
que falam que amam os filhos mas não gostam de ser mães. É um trabalho do
caramba. “Filhos, melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabe-los?” Eu gosto . Isso é característica, não é vantagem.
Fato é que fui mãe solo, com
todas as adversidades previstas. Sabe aquela conversa de que a maternidade
atrasa a vida profissional? Verdade. Como dar aulas à noite todos os dias em
outra cidade quando meus bebês estavam com uma pessoa com princípios
totalmente diferentes dos meus?. Encontrei-me na Educação á distância, onde
podia fazer tudo ao mesmo tempo, com a desvantagem de ganhar um terço.
Quando as crianças estavam na beira da
adolescência, perguntei o que elas achavam da educação que tinham que tinham
recebido até então; “É que você nunca tratou como se a gente fosse retardado”. Fiquei lisonjeada. “É que você não fazia para a gente o que a gente
conseguia fazer sozinho”. Pensei: “nem dava, o trampo era tanto...”. Ela
continuou: “você entregava a colher e falava: ‘se vira aí.’, o que é muito
melhor do que dar na boca. É como se você ensinasse a gente a ser independente.” Logo eu, tão gauche na vida.
Eduquei
para a autonomia. Falei cem, mil, milhões de vezes para que arrumassem as
próprias coisas, cuidassem dos estudos, da higiene pessoal. Aguentei
pacientemente (outras nem tanto) pitis
do tipo “eu quero tudo do meu jeito agora” até o dia em que aprendeu-se que
aquele comportamento não ia ser reforçado. Doutrinei iluminismo cotidianamente,
dando informações e opiniões, batendo papo, porque a vida é passeio e nós,
bichos naturalmente curiosos e gregários
.
As
pessoas próximas me acham em ligeira des-sintonia com o mundo, para bem e para
mal. Talvez eu seja otimista demais, desligada demais, ansiosa de menos.
Característica, com vantagens e desvantagens. Talvez isso influencie no quanto
eu acredito na competência das crianças para se virarem. Eu dou corda e eles
vão. Meu papel é me tornar desnecessária o mais rápido possível. É ensinar a
andar na rua, depositar e sacar dinheiro, fazer compras, pagar boletos, essas coisas que a
vida adulta exige, quer a gente queira, quer não. Eles gostam de aprender. Ajuda
e entender o mundo. Nada tão ridículo quanto marmanjinho sendo levado pela mão,
avoado do que se passa ao redor.
O
Lobo Mau existe e tem várias peles. É o psicopata, o pedófilo, o assaltante, quem
é propenso a relacionamentos abusivos, a pessoa violenta, extremista, explosiva,
a louca alucinada, a parasita sanguessuga, a invejosa destruidora de reputações,
a chata passivo-agressiva... Protege ensinar a identificar predadores, saber como
agir quando ele já nos viu e a gente não, não ser o idiota que se separa rapidamente
do seu dinheiro, não se colocar em riscos e a prevê-los.
A diferença entre o
veneno e o remédio é a dose. Como não deixar a criança ansiosa e amedrontada com
tanta informação? Como dar a informação na medida certa para que ela caminhe
com liberdade e responsabilidade? Estou aprendendo até hoje.
[i]
Barão vermelho- Porque que a gente é assim?
[ii]
Vinícius de Moraes. Poema Enjoadinho
[iii]
Fernando Pessoa. Poema em linha reta